Durante algum tempo assumi a necessidade de autoflagelo como uma necessidade absoluta para que pudesse simplesmente ser o mais forte, ser o elo predominante numa sociedade que de pouco se assemelhava à minha imagem. Continuei na puberdade da ignorância adolescente, tentando mostrar a todos que estavam enganados acerca das opiniões já formadas de uma criança, que até então evoluiu fisicamente e pessoalmente. A minha autoconfiança foi determinante para a derradeira derrota que abriguei nos braços durante períodos em que me via como eterno vencedor, quando na verdade, apenas perdia cada batalha em que entrava. Chamei diversos nomes a essas derrotas, amadureci velhos defeitos para que as derrotas soubessem sempre melhor do que simplesmente o eram, utilizei os defeitos como quando alguém que não sabe cozinhar utiliza as natas para tornar comestível algo que simplesmente é intragável no seu primeiro sabor! De diversas páginas que escrevi sobre mim, nunca escrevi nenhuma que dissesse o que perdia por cada vitória conquistada, nunca mencionei que o sabor da vitória era dissipado pelos efeitos duradouros dos sabores negativos que advinham com aquela felicidade momentânea. O custo dessa vitória era de valores incalculáveis, tinha um custo real muito acima do que eu poderia pagar, mas, tal qual um inconsciente ser humano que aprende algo novo, subestimei a necessidade da aprendizagem desse novo ensinamento, achei que poderia fazer tudo pois já sabia dominar tal sabedoria, enchi de tal forma o peito de um ego impossível que o peito deixou-se rebentar por si só… Morrer no desamparo da imaginação leva a que os meus súbditos pensamentos sejam de sofrimento, de um sofrimento acumulado em décadas de evolução pessoal, em décadas de negação social de mim mesmo para com o mundo. Se morrer, a certeza é que a morte me levará, um dia morrerei, morrerei sozinho aconchegado pelas sombras de uma vida inteira de batalhas que venci sem nunca ter vencido realmente, sem a possibilidade de errar, é que morrerei um dia, e quando morrer desejarei não sentir qualquer angústia por me faltar dizer seja o que for a quem quer que o mereça ouvir. Fecho os olhos, imagino os rostos que me querem bem, os rostos que ao meu lado permaneçam nesta batalha de derrotas incessantes, de derrotas que teimam em não acabar… Serro o rosto aclamando que passe o desejo de deixar de sonhar, já sem imaginar recordo os rostos que fui deixando para trás de uma história que gostaria de apagar, quereria apagar as vitórias, essas sim fazem-me sofrer bem mais que as derrotas, as vitórias que festejei e que hoje não posso festejar, é essa a dor que me deixa angustiado…
Deixo voar os pensamentos, deixo-os voar seguindo o voo migratório das aves que deixaram de passar na minha janela, deixo que os sonhos as procurem e espalhem a magia por alguém que ainda possa sorrir, que salvem algo que em mim já ninguém mais pode salvar.
Sento-me, olho pela janela o mundo incontornável, o mundo imparável… O mundo que não pára, que nunca deixou de evoluir, o mundo que por si só é individualista e frio, um mundo que não se preocupa com mais ninguém a não ser com o seu próprio trajecto. Olho, deixo-me regalar com cada segundo, respiro, suspiro fundo por aqueles segundos que vão ser eternos, expiro, morro sozinho e prisioneiro de uma vontade de ter sido o que não fui, de ter vivido o que não vivi e de ter voado com os meus sonhos quando ainda era possível.